Jô Soares e a Princesa Misteriosa
Quem nunca ensaiou uma entrevista imaginária com o Jô desperdiçou uma ótima ferramenta de autoconhecimento.
Assim como milhões de jovens, eu cresci assistindo ao Jô. Entre os 15 e 18 anos, particularmente, foram incontáveis as noites em que gargalhadas escapavam pelas frestas da porta do meu quarto madrugada adentro (eu costumava rir tão alto quanto o Bira).
Esse hábito noturno foi o responsável pelo apelido de “Soneca” na sala de aula (a fama de estar sempre com sono dura até hoje). Os cochilos e gozações, entretanto, foram um preço pequeno a pagar diante do aprendizado que o programa me proporcionou:
As lições que aprendi no programa do Jô foram daquele tipo que escola nenhuma ensina.
Eu me lembro bem de quando o talk show estreou na Globo, quase 16 anos atrás. Coincidentemente, essa foi também a época em que a Internet começava a surgir, ainda timidamente, nos lares brasileiros. Com tantos novatos, era preciso explicar que o “Jô do e-mail” era sem acento. Ocorre que ter de repetir isso toda vez seria no mínimo chato e cansativo. Assim nasceram os impagáveis números musicais desse brilhante humorista e seu sexteto para apresentar o endereço correto.
Eu imagino que todo grande fã deve ter uma história de como o Gordo, além de lhe mandar muitos beijos, mudou a sua vida, o que me torna apenas mais uma entre milhares. No meu caso, eu me recordo especificamente da entrevista que despertou essa metamorfose. Aconteceu quando eu tinha uns 15 anos, em um papo com a jornalista Cora Ronai.
A Cora foi uma das primeiras blogueiras do Brasil, de modo que o objetivo da conversa em questão foi o de explicar o que eram os tais “diários online” e como era simples ter o seu próprio weblog (como os blogs eram conhecidos).
Esse era o tempo em que os adolescentes e entusiastas esperavam dar meia-noite para se conectar à rede mundial de computadores, de maneira a aproveitar o horário mais barato da linha telefônica. Portanto, não apenas eu estava online naquele instante como também tratei de na mesma hora criar o primeiro blog da minha breve existência (e não é que era fácil mesmo?).
Sinto desapontar quem ficou curioso, mas não faço ideia do nome desse singelo debutante. O que eu sei é que depois dele vieram muitos outros, todos igualmente efêmeros e prosaicos. Eu me sentia, contudo, orgulhosa de cada um deles, a ponto de começar a considerar que até poderia fazer do ato de escrever a minha profissão.
Hoje eu tenho um projeto que existe há 6 anos, chamado Vida de Trainee. Não se trata de um blog famoso nem nada parecido. Todavia, desde que foi criado, já impactou milhares de jovens em busca de preparação para o mercado de trabalho. Eu devo admitir que me sinto satisfeita por toda a trajetória até aqui, mas o que me faz tagarelar de empolgação, no entanto, é saber que há ainda muito a ser feito. Basicamente, todo um caminho de novas conquistas pela frente (Youtube, guarde o meu lugar que eu estou chegando!).
Vixe! De repente esse relato ficou meio piegas, né? Desculpa aí se te morguei no meio da leitura. Apenas julguei importante contar tudo isso porque, como boa parte de meus compatriotas, um dia eu já sonhei em ser entrevistada no Programa do Jô.
Quem nunca ensaiou uma entrevista imaginária com o Jô desperdiçou uma ótima ferramenta de autoconhecimento.
ABRE PARÊNTESES
Jô: Uma mania…
Eu: Falar sozinha. Em toda parte. No chuveiro. Na cozinha. No meio da rua. Geralmente só me dou conta quando as pessoas me olham com cara de interrogação ao passar por mim.
FECHA PARÊNTESES
Existia, porém, um problema a ser contornado: sempre que eu me “autoentrevistava”, percebia o quanto não havia muito o que compartilhar. O quanto eu não tinha nada de especial. Um tanto quanto dramático, é verdade, mas convém lembrar que eu era uma garota de 16 anos!
E como estamos falando daquela fase maçante do Vestibular, cabe a compreensão de que pensar no futuro e em possíveis carreiras já era parte da rotina. Só a minha vocação que não dava o ar de sua graça. Não havia nada que eu amasse fazer nem nada de grandioso que desejasse realizar.
Tudo o que eu sabia é que queria produzir algo significativo o bastante para ser convidada no Programa do Jô.
E é aí que entra a Princesa Misteriosa do título. Eu li essa fábula pela primeira vez lá pela quarta série, mas a narrativa de José Teles foi tão marcante que o livro sobreviveu ao tempo e possui até hoje um lugar na minha estante.
Em linhas gerais, trata-se da lenda de uma princesa que, embora jamais tenha sido vista, tornou-se conhecida por sua beleza e encantos. Como era de se esperar, os jovens súditos do reino não demoram a se apaixonar por essa donzela envolta em mistérios. Cinco amigos em especial partem então mundo afora em busca de aventuras e tesouros que, acreditam, os tornarão dignos do seu amor.
Não gostaria de estragar a surpresa e contar o final da história. Isto posto, é suficiente dizer que, ao partir para o desconhecido, os rapazes enfrentam situações inesperadas e, com isso, desenvolvem habilidades e descobrem novas paixões. Assim, a princesa que deu origem a tudo logo vira um sonho distante e deixa de fazer parte dos planos dos nossos heróis, ainda que se mantenha como uma lembrança guardada com muito carinho.
Acredito que, se você chegou até aqui, já deve ter captado a moral desse conto e a sua relação com o meu desejo mais íntimo de um dia conhecer o Jô.
Não é que eu não tenha mais interesse em receber tão prestigiado convite. É claro que tenho! Mas o fato é que eu cresci e os meus sonhos amadureceram junto comigo.
De certa forma, tudo teve início com a minha busca por fazer algo merecedor do Programa do Jô.
Nesse percurso, porém, foram tantas as reviravoltas que essa meta ficou esquecida em meio a objetivos surpreendentes que se revelaram ao longo da jornada.
Xi! O texto já está soando como autoajuda novamente, não é? Melhor então encerrar por aqui antes que eu termine falando de motivação e características de um líder inspirador.
Antes de finalizar, no entanto, eu queria dizer que foi com muito pesar que ouvi a notícia de que esta será a última temporada do Programa do Jô.
Eu até entendo que a TV é feita de ciclos. Inclusive, para ser sincera, desde que Letterman se aposentou, no ano passado, eu me perguntava se em breve o mesmo não aconteceria com o nosso querido apresentador.
E foi aí que me ocorreu o óbvio.
Provavelmente nunca serei entrevistada pelo tocador de bongô mais admirado do Brasil.
Mais desolador ainda foi pensar na decepção de milhões de brasileiros que chegaram à mesma conclusão que eu: também eles não terão a chance de serem entrevistados por esse ícone da nossa televisão.
A largada foi dada. Enquanto escrevo esse texto, centenas de artistas e personalidades pressionam seus agentes e empresários para conseguir fazer parte do show uma última vez, tal qual despedida de estrela de Rock.
Que a sua audiência apresente picos nunca antes vistos, só pela nostalgia e constatação do fim de uma era. De minha parte, farei o possível para ao menos acompanhar os programas no Globo Play.
É que eu já preenchi a minha cota de inputs, insights e inspiração por um bom tempo. Agora, estou em um daqueles momentos em que é necessário processar todas essas entradas e colocar a mão na massa para gerar outputs, isto é, resultados.
Não tem jeito. Já estou falando igual aos gurus da Administração de novo. Deixa eu voltar para os meus projetos, que pelo visto nem tão cedo conseguirei desligar o modo #hardworkpapai (os fortes entenderão).